Murmúrios



São murmúrios agudos
São urros de dor contidos
Em gritos mudos
São histórias sem riso
Ecos dum passado
Outrora presente
São certezas sem juízo
São tormentos
Fragmentos de contos
Longos e surdos
São sonhos sofridos
Que o futuro não apaga
Que magoam a alma

S.V

De luto


Já não grito
Calo-me
Engulo as palavras e espero
Que a minha voz morra com elas
Já não luto
Rasgo-me 
Na solidão que dói
No torpor que me corrói
Na dor de que não falo
Já não vivo
Morro
Por cada frase que calo
Por cada surda palavra 
Por cada velado choro
Por tudo
Estou de luto

S.V

Quadro


quem foi,
que pintou este quadro?
quem foi, 
que o pendurou no meu quarto?
onde estão as cores?
onde estão as aves?
onde estão as flores?
onde estão as chaves,
do céu e do mar??
quem foi,
que pintou este quadro?
quem foi, 
que o pendurou no meu quarto?
quem foi,
que me emoldurou,
sem perguntar?

S.V

Agora, espero


Agora, espero
Que se vá a dor
Que me veste a alma
E me despe de calma
Enquanto cravo as unhas na pele 
E dou murros na parede
Espero
Que o vento leve em segredo
O meu medo
Enquanto espero
Pelo fim das trevas
Pelo raiar do dia
Fico aqui…
Sentada
Com o olhar fixo no nada
Esse nada que é tudo
Esse silêncio que sendo mudo
Fala
Agora, espero
Que morra o grito do…
 “Porquê eu?”
E enquanto cravo as unhas na pele
E dou murros na parede
Espero
Que nasça a calma do…
 “E porque não eu?”
Agora, espero
Que se vá a dor
Que me veste a alma
E me despe de calma

S.V


Diz o meu nome


Diz o meu nome
Sabes quem eu sou?
Então porque me ofereces pedras?
Queres ensinar-me
A construir uma muralha com elas?
Diz o meu nome
Sabes quem eu sou?
Então diz-me porquê
Que a muralha desmoronou
Não, não digas!
Foi porque as pedras são ocas
Ou porque as ofertas foram poucas
Não…
Claro que não!
Foi porque eu nem isso sei fazer
Empilhar pedras no chão
Diz o meu nome
Sabes quem eu sou?
Eu já não!

S.V

Para ti, Célia


22/08/2009
De areia vestida
Arrastas-te na tua costa 
A tua cauda de sereia

Despida de medo
Distribuis-te sorrisos
E no meio dos sorrisos
 Atiras-te flores
E em cada pétala
Havia mil cores...
De felicidade

Vestida cor de areia
Despida de vaidade
Lembras-te sonhos já esquecidos
Que em alma alheia
Foram sonhos vencidos
Que em outras almas
Foram sonhos perdidos 

No regaço
Levas-te conchas coloridas 
Recheadas de vida
E mesmo quando chegou o cansaço
Os teus olhos continuaram 
Pérolas comovidas
E já no fim do dia
As tuas mãos ofertaram 
Mel em potes de alegria

De areia vestida
Arrastas-te na tua costa 
A tua cauda de sereia

Vestida de areia
De areia vestida
Vestida de sereia
De sereia vestida
Despida de vaidade
Minha doce amiga
Que a tua vida 
Seja só…
FELICIDADE

S.V

Desabafo


Às vezes pergunto-me 
Se por acaso não nasci 
No local errado 
Na hora errada 
Se as pessoas que me rodeiam
Não são as erradas 
Porque rodeiam 
A pessoa errada
Às vezes pergunto-me 
Quantos caminhos 
Errados escolhi 
Quantas vezes 
Falei palavras erradas 
E a quantos silêncios errados 
Dei vida 
Às vezes pergunto-me 
Se tudo o que fiz 
Não foi errado 
Há dias em que tenho a certeza 
Que não passo dum erro
Foi errado 
Ter nascido 
Foi ainda mais errado 
Ter sobrevivido 
Hoje é um desses dias
Em que está tudo errado

S.V

Não, não vou


Não
Não vou deixar para trás 
Todos os sonhos que construi
Em cima duma pedra de gelo
Não
Não vou abandonar o meu castelo 
De areia feito com tanto zelo
Não
Não vou destruir esta calçada
Construída com as pedras
Que me atiraram pelo caminho
Não
Não vou fechar as janelas
Já fechadas do meu destino
Não
Não vou deixar para trás
Todas as palavras que escrevi
Num livro imaginário
Não
Não vou abandonar rios de lágrimas
Que já secaram
Não
Não vou destruir o que fiz de mim
Com os retalhos que herdei
Dum passado que já perdi
Não
Não vou fechar as portas
Dos sorrisos que não recebi
Não
Não vou
S.V

Acreditei...


Acreditei nas estrelas...
Que podia ter o brilho delas.
Acreditei no sol...
Que podia ter o seu calor.
Acreditei na lua...
Que um dia seria sua.
Acreditei no céu...
E em tudo o que me prometeu.
Acreditei na semente que nasceu
E na planta que floresceu.
Acreditei em sorrisos
Como selar de compromissos.
Acreditei em ti
Acreditei nele e nela.
Não acreditei em mim!
Acreditei em críticas
Irónicas e artísticas.
Acreditei em palavras
Elaboradas e despropositadas.
Acreditei tanto
Que hoje me espanto
Por em nada acreditar!
Hoje já não acredito nas estrelas
Nem no sol
Nem na lua
Porque sei que não terei o seu brilho
Que não terei o seu calor
Nem serei sua.
Já não acredito no céu
Nem em nada que seja seu.
Sementes 
Para quê planta-las?!
Se secam antes de nascer?!
Se nem chegam a florescer?!
Já não acredito em sorrisos
Nem em compromissos.
Já não acredito em ti
Nele e nela
Já não acredito em nada
Nem em mim!

S.V

Branco Negro


Desliguem-se as luzes
Daquele lugar já escuro
Desabe aquele tecto
Caia aquele muro
De branco negro
Que se apague os anos
Que lá vivi
Que morra a memória
Dos sonhos que lá perdi

Onde cuspo o ódio que criei
Onde engulo o rancor que alimentei
Onde morri

S.V

Limitei-me


Limitei-me
A um raio de luz extinto
Cercado pelo muro do medo
Limitei os sonhos
As palavras faladas
Dei murros no destino
Que pensei
Que eternamente me esperava
Limitei-me 
Ao pouco
Ao grito rouco
De liberdade
Que não chegou a chegar
Limitei-me
E hoje não sei voar

S.V

Abençoados



Abençoados os que acreditam em Deus
Num qualquer deus
Abençoados os que acreditam no destino
Seja qual for esse destino
Eu pertenço aos restantes
Dos que em nada acreditam
Dos que não acreditam num depois 
Nem num antes
Dos que vivem ao sabor do vento
Dos que já nem sabem meditar
Dos que não tem tempo
Ou nunca souberam rezar
Eu sou desses
De apático cariz
Que não acreditam no pote de ouro
No fim do arco-íris
Eu sou o choro
Das lágrimas que deixei de acreditar
Sou o grito de quem sabe
Que não adianta gritar
Porque há muito que não acredito 
Na razão de cá estar
Abençoados os que acreditam em Deus
Num qualquer deus
Abençoados os que acreditam no destino
Seja qual for esse destino
Triste sina a minha
Que acredito
Que Deus está morto
E o destino é louco

S.V

Dizes...



Dizes que não há razão
Para a escuridão do meu olhar
Dizes não entender
Porque converto rios de lágrimas
Em oceanos
Dizes não saber
Porque são negros os meus sonhos
Dizes não perceber
Porque prefiro a ausência 
À presença
Dizes que não há justificação
Para tanta indiferença
Dizes por querer 
Ou sem querer 
Não saberes 
De onde vem tanta tristeza
Dizes que os meus olhos  
São da cor da esperança
Quando no verde dos meus olhos
Só existe insegurança
Perguntas porquê 
Que o meu olhar questiona
A minha existência
E eu respondo-te
A razão da escuridão do meu olhar...
É a minha penitência
A razão do meu oceano de lágrimas...
É a certeza de ser 
Um livro sem páginas

S.V

Bom dia tristeza


Bom dia tristeza!
Regressas-te?
Trazes malas e bagagens?
Estás de passagem?
Ou pensas ficar?
Quem me deixa não volta
Mas tu…
Tal como eu,
És teimosa
E de uma forma airosa
Vais sempre pensando voltar
Chegas numa noite silenciosa
Para me amedrontar
Para me deixares
Sem vontade de acordar
Porque voltas tristeza?
Porque acabas com toda a beleza
Do meu olhar?
Porque voltas tristeza?
Porque não me deixas descansar?
Bom dia tristeza!
Bom dia indiferença!
Bom dia vazio da minha alma!
Que na tua ausência
Te fizeste notar
Bom dia tristeza!
Regressas-te?
Trazes malas e bagagens
Estás de passagem?
Ou pensas ficar?

S.V

Eu sou


Que queres que te diga?
Eu sou a própria tristeza
Disfarçada pelo sorriso
Sou aquela que chora
No meio de uma gargalhada
E tu nem dás por isso
Sou a que fala muito
E que não diz nada
Sou a que se esconde no silêncio
E do silêncio não se farta
Sou a que se ausenta de tudo
A que no vazio da ausência
Se encontra de luto
Que queres que te diga
Se no meio do nada já disse tudo
Eu sou a própria tristeza
Disfarçada pelo sorriso
Alma perdida vestida de luto
Sou a que chega sem aviso
E parte sem dizer adeus
Sou aquela que fala
E que falando não diz nada
Sou a que olha para o céu
E que agradece a sua beleza
Mas quando chega a tristeza
Eu sou ela
Eu sou a própria tristeza
Disfarçada pelo sorriso
Sou aquela que chora
No meio de uma gargalhada
E tu nem dás por isso
Sou aquela que fala
E que não diz nada

S.V

Olha para mim


Olha para mim
Não quero o teu ouro
Não quero o teu dinheiro
  Não me interessa o teu tesouro
Nem o teu mealheiro
Olha para mim
Eu já nem te quero
A tempo inteiro
Só quero que voltes atrás
No tempo
E nesse tempo
Quero que fiques e não vás
Que me embales no berço
Um pouco mais
Que logo, logo eu adormeço
Que me leves à escola
E que me contes uma historia
Antes de adormecer
Olha para mim
Diz-me como esquecer
Aquela noite em que acordei
E tu não estavas
Ou aquela noite em que sonhei
Que tu voltavas
Como posso perdoar
Quem me fez tanta falta
Como posso eu pensar
Que um dia a magoa acalma
Olha para mim
Não quero o teu ouro
Não quero o teu dinheiro
Não me interessa o teu tesouro
Nem o teu mealheiro
Olha para mim
Eu já nem te quero
A tempo inteiro
Só quero que voltes atrás
No tempo
E nesse tempo
Quero que fiques e não vás

S.V

Sigilo


Saí
Ninguém reparou
Atirei a cadeira ao chão
Bati com a porta
Ninguém se mexeu
Ninguém se apercebeu
Cansei-me
Apressada desci as escadas
Sem tempo para tropeçar em mim
Sem tempo para nada
Preciso de ar
Não há ar suficiente aqui
Sufoco aos poucos no meio da multidão
Que assiste
Impávida
Serena
Já não luto
Perdi as armas
Mandei-as fora
Nada interessa
E porque não interessa
Volto
Subo as mesmas escadas
Segura em mim
Farta de mim
Abro a porta
Ergo uma cadeira
Subo o seu tampo de madeira
Preciso de ar
Abro a janela
De par a par
E atiro-me dela
Acabou-se o sigilo
Respiro

S.V

Exito


Baldes de êxito
Enrolados em cascatas 
De ego distorcido
Alarido sem sentido
Mas é vosso
O que faço aqui?
Finjo que vos oiço
Finjo que vos vejo
Sorri
Deixa baloiçar o baloiço
Finge que ouves e que vês
Finge ser o que não és
Finge que estás aqui
Palavras ocas
Vazias
Que fazem eco numa sala
Cheia de nada
Cospem ideias
Que deveriam brilhar no escuro
De tão carregadas de euforia
Que felizes que são
Baldes de êxito
Enrolados em cascatas 
De ego distorcido
Gente que não faz sentido
Tempo meu perdido
O que faço aqui?
Finge que ouves
Finge que vês
Finge que és o que não és

S.V

Folha


Folha seca
Enrugada 
Morta pelo sol
Levada pelo vento
Folha seca
Sem raiz
Sem pigmento
Que o sol matou
Que o vento levou
É isto que eu sou
Até o vento 
Se cansar de mim
Como o sol
Já se cansou
Como a lua
Nunca se interessou
Aqui estou
Onde o vento me deixou

S.V

Noite


Silencia-me noite
Ajuda-me a descansar
Antes que o sol volte a raiar
Abraça-me noite
Faz-me esquecer as quedas
As perdas 
E as derrotas
Sejam muitas ou poucas
Preciso juntar as pedras
E fazer com elas uma calçada
Como se em relva
Estivesse farta da caminhada
Leva-me noite
Estou tão cansada
Não me devolvas quando o sol raiar
Não me devolvas quando o dia acabar
Silencia-me noite
Ajuda-me a descansar
Não me devolvas
À luz que eu não consigo enfrentar

S.V

Imploro


Imploro à lua que se esconda
Imploro ao sol que se extinga
Imploro à vida que desminta
Que estou viva
Não quero fitar a minha sombra
Não quero ser conhecida
Pelo desígnio que não vinga
Imploro à lua que se esconda 
Imploro ao sol que se extinga
Apago todas as luzes
Sopro todas as velas
Na minha campa não quero cruzes
Nem flores belas
Imploro à sombra que me esconda
Que me oculte nas trevas
Não quero avistar o meu reflexo
Quero estar preparada
No dia em que me despeço
Sem deixar nada
Nem nada levar
Sem deixar rasto
Nem odor no ar
Sem deixar nome
Sem nada assinar
Quero que raie o dia em que me afasto
Sem nome 
Sem rosto
Sem rasto
Sem esse desígnio que não vinga
Imploro a lua que se esconda
Imploro ao sol que se extinga
Imploro à vida que desminta
Que estou viva

S.V

Dança


Dança
Rodopia numa dança 
Que não é tua
Olha para as estrelas
E mesmo sem vê-las
Imagina-as cintilantes
Não adormeças os teus passos
Não os tornes vacilantes
Dança
Essa dança que não é tua
Torna-te a bailarina de antes
E dança
Essa dança que já foi tua
Lembra-te que um dia
Pedis-te a luz à lua
Dança
E esquece a solidão
Que não deveria ser tua
Dança
Rodopia nessa dança
Que um dia já foi tua

S.V

Palavras


Palavras que não são minhas
Palavras já escritas por alguém
Palavras que sem serem minhas
Roubo-as
E escrevo-as também 
Palavras…
Letras entrelaçadas
Que chegam a formar 
Frases sem sentido
Frases desesperadas
Palavras
Que procuram abrigo
Na letra de alguém
Falam de negros pensamentos
De tristes saudades
Falam de revolta e tormento
Falam de paixão e amor
Falam de momentos de dor
Palavras escritas
Ditas ou sentidas
São apenas um escape
Uma expressão de lamento
Que na alma já não cabe
Palavras são palavras
Já ditas e escritas por alguém
São tuas
São minhas
E não são de ninguém

S.V

Destino


Amaldiçoado destino o meu
Que me arrasta na lama
Que me seduz
Que me chama
Para um caminho sem luz
Maldito destino este 
Que me suga em areia movediça
Que me veste de negro
Que me amarra e enfeitiça
Que fiz eu para te merecer?
Porque não me consegues esquecer?
Amaldiçoado destino este
Que maltrata a minha alma
E de alma me despe
Maldito destino este
Que insiste em roubar
A luz do meu olhar
Amaldiçoado destino
Porque me escolheste?

S.V

Loucura


Loucura 
É a luz que me seduz
É a que me acolhe 
Em seus braços
Quando já não tenho mais força
Para apertar 
Os laços da lucidez
É quando a minha mente 
Já não se esforça
Quando o meu olhar 
Perde a nitidez
Loucura é aquela 
Que não me faz perguntas
É aquela 
Que não exige desculpas
É o meu refúgio
O meu lar
O meu abrigo
Nas horas más

S.V

Regresso


Ergam-se os mortos 
Que eu amei
Eu perdoo-vos 
As vezes que me magoaram
Voltem aqueles 
Que me amaram
E perdoem-me 
As vezes que pequei
Regressem os que foram 
Sem um adeus
Peçam licença ao vosso deus
Eu preciso dum abraço
Que acalme o meu cansaço
Ergam-se os mortos 
Que eu amei
Voltem aqueles 
Que me amaram
Para me recordarem 
O que eu já esqueci
Para me devolverem 
O que eu perdi
Regressem 
Os que eu não disse adeus
Preciso do vosso perdão
Preciso calar a minha solidão

S.V

Teatro


Fiz da minha vida
Uma peça de teatro
Sem uma palma batida
Num palco
Sem plateia
Fiz da minha vida
Uma peça de teatro 
Onde a alma vagueia
Antes, do cair do pano
Fiz da minha vida
Uma teia de linho
Sem ninho
Sem dono
Fiz da minha vida
Uma peça de teatro
Onde me escondo
Dos escombros
Do teatro 
Da minha vida
Fiz da minha vida
Uma peça de teatro 
Onde a alma vagueia
Antes, do cair do pano
Fiz de mim 
Alma perdida
Alma sem dono
Fiz da minha vida
Uma peça de teatro
Sem uma palma batida
Num palco
Sem plateia

S.V

Quarto escuro


Entro num quarto meio escuro
Banhado pela luz
Inexistente de uma vela
Abro a perra janela
E deslumbro uma alma demente
Que me olha como se eu fosse ela
Sinto-me uma alma assombrada
Pela minha própria sombra
Num quarto banhado
Pela luz que me amedronta
Fecho a perra janela
Fecho-me com ela
E num quarto meio escuro
Apago o resto da vela

S.V

Rio salgado


Vou os meus braços atar
As minhas pernas algemar
Vou procurar o meu rio
De lágrimas salgadas
Vou afogar o meu vazio
Em águas paradas
Cansados de correr
Adeus meu triste destino
Adeus meu eterno sofrer
Que nunca ninguém
Conseguiu compreender
Adeus minha culpa
Que nunca teve desculpa
Adeus minha imagem
Que a tristeza
Conseguiu corroer
Adeus minha vida
Que eu nunca soube viver
Vou os meus braços atar
As minhas pernas algemar
Vou procurar o meu rio
De lágrimas salgadas
Vou afogar o meu vazio
Em águas paradas
Cansadas de correr

S.V

Tristeza


Apareces não sei de onde
Ficas não sei até quando
Que queres de mim?
Porque te aproximas assim?
Porque me escolhes-te?
Prendes-me com o teu laço
Sufocas-me no teu espaço
Será que ainda não entendes-te?!
Que não te quero aqui?!
Apareces não sei de onde
Ficas não sei até quando
Que queres de mim?
Porque te aproximas assim?
Porque me escolhes-te?
Será que ainda não entendes-te?!
Que não te quero aqui?!
Apareces de surpresa
De surpresa vais embora
Oh silenciosa tristeza
Que tanto me adoras
Porque chegas-te agora?
Apareces não sei de onde
Ficas não sei até quando
Que queres tu de mim?
Se eu estou tão cansada de ti!

S.V

Banco de jardim


Olhei para ti
Mas não foi a ti que vi
Naquele jardim
Que não te pertence
Com flores que não são as tuas
Vi olhares ausentes
Em canteiros descuidados
Vi uma
Vi duas ou mais
Gaiolas abertas
Com pássaros encarcerados
Olhei para ti
Sentada num banco de jardim
Que outrora foi banco
E que hoje nada mais é
Do que uma ripa de madeira
Com muitas histórias
Para contar
A quem com paciência
O quiser escutar
Olhei para ti
Mas não foi a ti que vi
Vi os olhares de demência
Que por ali
Andavam a divagar
Bocas caladas
Já cansadas
De tanto falar
Loucos, dirias tu
Loucos, diria eu
Se ali não estivesses
Se eu não soubesse
Que aquele triste banco de jardim
Pertence-nos
A nós loucos
Olhei para ti
E foi a mim que vi
Sentada naquele banco de jardim

S.V

Talvez um dia


Talvez um dia
Eu me encontre
No virar de uma esquina
No cume de um monte
No alto de uma ravina
Ou numa velha ponte
Talvez um dia 
Eu me encontre
Quem sabe?!
Se um dia
Ao beber de uma fonte
Não abraçarei
O brilho das estrelas?!
E talvez nesse dia 
A minha escuridão 
Me deixe vê-las
No virar de uma esquina
No cimo de um monte
No alto de uma ravina
Ou numa velha ponte
Talvez nesse dia
Eu me encontre

S.V

Procuro-me


Procuro-me nos espelhos que me olham
Nos pingos de chuva que me molham
No olhar que procura o meu
Num rosto que já não sou eu
Procuro-me nos poemas que escrevo
Nos que deixo por escrever
Procuro-me nas folhas de um trevo
Procuro-me sem querer
Procuro-me no teu encanto
Procuro-me e não me encontro
Procuro-me em vilas e cidades desertas
Em casas de portas abertas
Em castelos sem janelas
Procuro-me em ruas e em ruelas
Nos escombros de tristes ruínas
Nas abandonadas velhas minas
Procuro-me por todo o lado
Com olhar louco e amargurado
Por não me encontrar
Já procuro por procurar
Procuro-me nos espelhos que me olham
No olhar que procura o meu
Procuro-me nos meus olhos que choram
Nas lágrimas que secaram
Num rosto que já não sou eu
No sorriso que já não é meu
Procuro por mim em qualquer lugar
Procuro-me sem me encontrar
Já procuro só por procurar

S.V

Razões


Saiam da frente...
Preciso passar
Levo tristeza na alma
Não vos quero incomodar
Deixem-me com as minhas lamúrias
Com as minhas desventuras
Com os raios do meu pesar
Saiam da frente
Deixem-me passar
Que não vos quero importunar
Levo o coração pesado
O olhar desencantado
As mãos cansadas
Das lágrimas limpar
Saiam da frente
Preciso passar
Abra-se o céu
Rasgue-se o mar
Fenda-se a terra
E se não me misturar com ela
Então...
Deixem-me passar
Quero ir para um outro lugar
Levo desilusões
Levo desencantos
Levo razões
Para não mais voltar
Saiam da frente
Deixem-me passar

S.V


Reticências

Sou três pontos reticências

De um ponto final
Sou de um livro completo
De evidentes evidências
Cem páginas por terminar
Sou o sal do rio
O açúcar do mar
Sou o sorriso que não sorriu
Pintura por acabar
Sou o escuro da alegria
E a luz da tristeza
Sou uma caixa vazia
Cheia de incertezas
Sou a lágrima que cai
Sou a gargalhada silenciosa
Sou o silêncio que se esvai
Numa calma ansiosa
Sou o vazio de um copo cheio
Sou a corrente de um rio que parou
Sou a lua que se escondeu
Sou o poema que não leio
Sou a água que secou
Sou a alegria que não nasceu
Sou eu
Três pontos reticências
De um ponto final
Sou de um livro completo
De evidentes evidências
Cem páginas por terminar


S.V